Um doente recorre à Justiça para obter gratuitamente do Estado um medicamento específico que amenize os efeitos de um câncer de pele que se encontra em estágio avançado e irreversível. O remédio não é fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas o fabricante promete efeitos mais rápidos e uma sobrevida maior ao paciente em relação ao tratamento-padrão do sistema público. Deve o juiz responsável pelo caso atender ao pedido do paciente e determinar ao Ministério da Saúde o fornecimento imediato do tratamento, embora custe 75 vezes mais do que o padrão? Uma solução para o dilema do magistrado pode estar no Portal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que abriga o e-NatJus, um banco de pareceres técnicos que recomendam ou não a adoção de determinados tratamentos com base em evidência científica.
Criada em 2017 pelo CNJ, a plataforma digital tem fornecido respaldo científico aos magistrados que atuam com cada vez mais frequência diante da crescente judicialização da saúde. Um perfil das ações judiciais relacionadas à saúde será apresentado na III Jornada Nacional da Saúde, na próxima segunda-feira (18/3), em São Paulo. O professor e coordenador do Centro de Estudos do Insper, Paulo Furquim de Azevedo, apresentará os resultados às 10 horas.
Judicialização da saúde
Recorrer à Justiça tornou-se o caminho escolhido por cada vez mais pessoas que dependem de serviço ou produto de saúde para se curar ou sobreviver. No entanto, as decisões judiciais que obrigam o Estado a fornecer gratuitamente medicamentos comprometem o planejamento orçamentário da área – sentenças dessa natureza consumiram R$ 1,02 bilhão do Ministério da Saúde apenas em 2017.
Avaliação
O caso hipotético do câncer de pele narrado acima é o objeto de um dos 42 pareceres técnicos cadastrados no banco científico do CNJ, que conta ainda com 16 notas técnicas. No documento, avaliam-se justamente os efeitos do tratamento de um tipo de melanoma com determinada substância, o vemurafenibe. A análise ainda compara o tratamento com o uso de um concorrente distribuído na rede pública, dacarbazina, para tratar esse melanoma. Cerca de 30% dos tumores malignos registrados no Brasil são algum tipo de melanoma, o que o torna o câncer mais frequente no Brasil.
O Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NAT) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) produziu o parecer comparativo após investigar fontes de pesquisa disponíveis à comunidade científica internacional e verificar a posição de agências nacionais de saúde em relação ao medicamento analisado. O NAT do Hospital das Clínicas da UFMG é um dos centros de excelência autorizados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) a elaborar pareceres técnico-científicos e recomendar ou não, com base no potencial benefício de remédios ou procedimentos, que um magistrado determine a governo ou plano de saúde o financiamento de determinado tratamento de saúde.
Comparação
No parecer técnico científico sobre o melanoma, analisou-se a possibilidade de se adotar um medicamento novo pelas vantagens em relação à substância ofertada no SUS. O vemurafenibe é administrado em comprimidos, ao contrário do tratamento convencional, que depende de sessões de quimioterapia a cada três semanas. No entanto, adotar o vemurafenibe significa um custo mensal de R$ 27.193. A substância entregue pelo Ministério da Saúde custa R$ 359 por sessão. A conclusão é de que a única pesquisa que pôde ser considerada como evidência científica pelos autores do estudo cadastrado no e-NatJus, financiada pelo fabricante do novo remédio proposto, usou uma metodologia que causava “grande incerteza” aos resultados.
A toxicidade da substância e seus efeitos colaterais – uma sobrevida de três meses em relação ao outro remédio – representavam também um preço alto para o paciente. Quase metade das pessoas que usaram vemurafenibe (49%) tiveram problemas graves de saúde, o que ocorreu a somente 18% dos pacientes tratados com a substância fornecida pelo SUS. Os problemas listados incluíram o desenvolvimento de um segundo câncer de pele, exantema (manchas) e reação de fotossensibilidade. “O ganho encontrado com o uso do vemurafenibe no tratamento melanoma avançado foi incerto e tem que ser balanceado com o perfil desfavorável de eventos adversos”, resumiram os autores do parecer.
Parceria
O desenvolvimento do e-NatJus foi possível graças a uma parceria firmada em agosto de 2016 entre CNJ, Ministério da Saúde e Hospital Sírio-Libanês. Os recursos foram repassados pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS). Além dos pareceres técnico-científicos, que analisa casos em abstrato, o e-natjus também contém notas técnicas, produzidas por equipes multidisciplinares dos tribunais de justiça, em resposta a demandas de saúde concretas apresentadas por pessoas físicas. Os chamados Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS) foram criados a partir da edição da Resolução CNJ n. 238, em setembro de 2016.
Fonte: www.cnj.jus.br